sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Travessia a minha sem fim
Quando chegar soe o alarme
Ouvir bem alto assim
E poder parar a dor enorme

Bebendo sua água, suor
Banhando-me na chuva
A cada passo, distância maior
E minhas mãos atadas em luvas

Se eu chegar e for miragem
E for só a sua imagem
Na paisagem que me engana
O pecado que profana

Na perda da sanidade
Encontrei a loucura
Esqueci minha idade
E o tempo não dura

Se na busca eu perco
E nos perdidos encontro
Por que te cerco
Com braços de outro?

Se digo e não faz sentido
Ouve e não entende
Deixa entrar em seu ouvido
Minha voz, e depois vende.

Rendo-me ao poema que fala
Roupa de renda que veste
E dança linda na sala
Aos olhos de cafajeste

Despe-se, que eu me despeço.
Te escrevi as palavras amontoadas
Leia-as alto, eu te peço.
Pra que sejam falantes e faladas

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Disseram eles no fim, marcas de dor à luz de velas, luz dançante, quase irônica.
Cada lado do rosto iluminado por vez, sombras também dançantes.
Restos de garrafas aqui e ali e copos mal lavados cheirando a álcool, ao lado, cinzeiros lotados, bitucas dobradas, fumadas até o fim. Marcas de dor, nas fotos largadas, nos discos tocados, nas roupas manchadas.
- Pare de filmar! - voz arrastada.
- Não posso, é um conto narrado e filmado. Sofra.
- Achei que seria pra sempre!
- Foi, cada amor tem um prazo de 'pra sempre'.
- O nosso foi tão pequeno.
- Não, os 'pra sempre' se medem na intensidade, não no tempo.
- Então, então o nosso é o mais longo dos 'pra sempre'?!
- Sim. Adeus.
- A.D.E.U.S - Até nunca mais. Os 'nunca mais' se medem como?
- Se medem na dor do 'Adeus', e a dor se mede, a dor se mede no tempo.
- Clic. Desliga isso pra sempre e não liga nunca mais.
Agora que ela atravessava aquelas luzes com o olhar, quase podia entender que era sua vista que estava embaçada, não as janelas, impecavelmente limpas pelo trapezista do andaime.
Não mais se deixou amortecer culpando a terceiros, nem últimos, pôde sentir a leve dor - e incômodo - toda vez que engolia a seco toda verdade ricocheteada no peito.
Percebeu e aceitou que seu destino nunca fora tão alto como adorava supor. Não havia nada pra entender nos tantos livros que lera, as águas que sugara em bocas alheias evaporaram, tão quente era sua sede.
Aqueles alguéns eram realmente tão vermes como ela afirmara pra si mesma e até pra eles? Todos que deixara pra trás em sua ânsia de...de...do que mesmo tivera ânsia?
Ou pensava assim pra diminuir a culpa, que lhe torturava de forma mansa, sem que ela pudesse notar.
De lá de cima olhou ao chão e viu, minúsculos, os vermes todos, e percebeu:

Quando eles olham pra cima me veêm também do tamanho de um verme!

Decidiu solenemente que o era (verme), e foi se juntar aos outros em pedaços, caminhou, olhou, se atirou.
Nunca saberemos se deu adeus ao trapezista no caminho, mas saberemos que se tornou verme graças a ele. Agora estava no chão, morta, e ele, lá em cima, voava, e desembaçava os vidros, pra que outros pudessem notar quão vermes eram.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Talvez se as nuvens cinzas, cruéis desse céu.
Se elas me engolissem
Quem sabe eu poderia chover por aí
Toda essa minha bobagem pálida
Que todo dia se reflete na fumaça do cigarro
E se os pingos incessantes dessa chuva lenta
Se eles me dissolvessem
Quem sabe eu evaporava
Junto com a fumaça pálida do cigarro
E refletiria no céu minhas bobagens nubladas
E se os raios de Sol não esquentassem o chão
Quem sabe eu andaria descalça por aí
Cantarolando declarações desesperadas
Tentando não pisar em falso
De mãos dadas com um nada abstrato
E se você se materializasse
A dúvida traiçoeira voava daqui
Daí eu não afundava minhas idéias e corpo
No movediço gelado desse chão desconhecido

terça-feira, 5 de maio de 2009

...

Abrira a porta e entrara, sentara. E agora?
Agora ligue a TV, oras.
Mas não quisera ver nada na T.V, então se deitara.
Sentia-se com aquela vontade de se espreguiçar que parece que nunca é suficiente, com as gengivas do siso inchadas, e a garganta coçava e arranhava, embora algum órgão demente dentro de si implorasse por um cigarro e alguma bebida inebriante.
Desejou sair pela rua sem rumo e o fez, mas a certa altura tomou consciência que nem andar sem rumo sabia, pois sempre se guiava pelo óbvio, olhava os carros pra atravessar, evitava ruas escuras e vazias, quase tomara o caminho de sua antiga casa, talvez pelo costume, pelo cheiro das pessoas que pode ter ficado no ar, ou talvez pela morbidez e um desejo patético de reviver o passado.
Então, se sentasse ali na guia e chorasse ou fixasse o olhar em algum ponto do asfalto quem sabe encontraria o que buscava, mas poderiam achar que enlouquecera, não que se importasse, nunca se importara, mas algum cão vadio poderia vir e mijar nele, não que não fosse digno de uma mijada nas barras da calça, e até seria agradável, algo quente, vivo e molhado como há muito não sentia, pra contrastar com aquele corpo ressecado e ressequido, aquele olhar frio e reto, feito tela plana de uma TV que só passa horário político, aquelas mãos crispadas que corriam ensandecidas pelo bolso que ainda não rasgara da mochila velha, sempre em busca de um cigarro, ou até mesmo uma ponta, que tivera que apagar pela chegada do ônibus, e então ao acender aquele resto pareceria que seus olhos brilhavam, no entanto eram lágrimas, inexplicáveis lágrimas de uma última tragada cuja fumaça se iluminaria pela luz fraca e alaranjada do poste.
Algumas moedas e um passe de ônibus, vendeu o passe, e no mesmo bar pediu uma dose de conhaque e um copo de vinho, assim mesmo, sem nenhum requinte, sem entender nada de combinação ou paladares finos, queria era a desgraça da ressaca de sarjeta, a desgraça dos que sentem demais e tentam demais entender o que tanto sentem. Virou a dose de conhaque e fez uma careta, como se segurasse o vômito, sentiu aquele calor em suas entranhas, como se uma mão de lavas lhe acarinhasse as tripas, com sôfregas e violentas lambidas, diabólicas e voluptuosas, então lhe veio à mente.
Soube de repente que quando sentia o lábio dela em seus lábios era aquela mesma sensação, por isso buscara sentir aquilo de forma superficial, como um gole nojento de bebida gelada, mas que lhe ressuscitava, então lembrou-se palavra por palavra do poema que lhe havia feito quando ainda era humano, quando ainda sabia sentir sem pensar, e escreveu-o num guardanapo do bar, que grudou no suor do copo de vinho e ali derreteu sozinho, bem como seu autor:

"Eu pareço saber que teus lábios e tua língua irão me queimar, mas busco desse fogo seja inverno, seja verão. De tanto que me queimam e me penetram as células, parecem amortecer, cada milímetro de pele minha, que molhada de minha e sua saliva, evapora, e chove de novo em forma dos teus dedos em meus cabelos. Te amo. "