segunda-feira, 2 de maio de 2011

Éramos.

A foto estava ali, eu olhava pra ela e já não nos via, fotografia, metáfora perfeita, fomos paralisados no tempo, com aquelas expressões de soldados irredutíveis e incorruptíveis, aqueles cheiros de gibis e livros velhos, amarelados, posso sentir quando fecho os olhos, a cor da tarde, cor do cair da tarde, posso sentir na pele o calor do Sol se amenizando, os sons, o ruído na vitrola tocava um blues qualquer, posso ouvir a melancolia me rasgando a alma, e nós ali, posso ver, com tristeza, deixados para trás, como se aprisionados num retângulo de papel, e como irônicamente nos tornamos hoje, escravos de outro retângulo de papel, sem escrúpulos e sem o cheiro bom de passado gostoso.

Nós éramos felizes pois fazíamos o que mais gostávamos, nós tínhamos sonhos e lutávamos por eles, pois acreditávamos neles de fato e havia paixão, havia uma força em nós, olha, dá pra ver nos nossos olhos, aqueles jovens poderiam carregar o mundo nas costas, destruir toda a fome e toda dor existente no mundo, eles podiam tudo no brilho de suas faces e no desgrenho de seus cabelos, nos desleixos de suas roupas, e nos sorrisos um escudo, e isso tudo porque eles ouviam rock n' roll.

Roubaram da gente o que tínhamos de melhor, o tempo nos vestiu de social(mente aceitáveis), tosou nosso cabelo, arrancou sem dó nossos adereços rebeldes, cortou nossos adejos, nos colocou em repartições públicas, e hoje mentimo-nos, dizemos bajulações patéticas e praticamos demagogias pra pagar o aluguel. Quase não vemos os amigos, a cerveja desce preocupada, misturado à cevada está a preocupação com a meta do mês, acordar cedo, bater o cartão, fingir, fingir, fingir, ser infeliz, eu tenho que ser infeliz amanhã, senão não dá pra pagar a internet, (o que era internet naquela época na qual o contato era o nirvana literal de uma geração?) não posso ficar de ressaca. Tempo, tempo, tempo e os garotos que iam mudar o mundo?? Se atirando de cima do muro para matar o que se tornaram, tentando acordar o resto de verdade que ainda pulsa ali. Grand Monde, Grand monde!! Até onde nos levaste e quão longe ainda seremos capazes de nos afastar de nós mesmos, até quando esse pedaço de papel rude vai dominar a textura de coisas mais simples como uma pétala de rosa carregada de boas lembranças?? Até quando nosso suor vai lavar o dinheiro dos caras que antes eram nossos terríveis inimigos?? Qual tipo de lavagem cerebral nos foi feita, que não nos fez esquecer e sim abrir mão? Já não suporto olhar no espelho e ver aquele garoto bobo imerso em tanta bobagem que não as que ele amava, as bobagens inocentes e que cheiravam a cumplicidade, nem o ônibus ele pagava, e achava que estava enfrentando o sistema, tolo, tolo, mas sinto falta dele. O sistema não se esqueceu dele, veio e varreu tudo, os amigos se reúnem e não riem tanto quanto antes, acham absurdo coisas antes corriqueiras, e tem vergonha de rever as fotos como se o passado fosse negro como o futuro o é, e é mesmo, porque tudo que queríamos escureceu entre tantos papéis burocráticos, entre lápis e calculadoras, entre lábios calculistas, entre vermes e víboras. E a arte virou coisa de vagabundo, de novo e mais do que nunca, e nosso sonho de palavras deitadas no papel se deitou agora num caixão frio e podre como nosso vazio, nosso sonho de imagens falantes na telona, nossas trilhas sonoras se calaram diante do absurdo tsunami de responsabilidades que invadiu nosso aconchego sensível, nosso canto de dormir, nosso canto de sorrir, nosso canto, nossa voz, tudo deixado para trás na pressa de pegar o metrô, na pressa de pegar o terno na lavanderia, na pressa de passar pela criança com fome, e pela velhinha com frio sem sequer olhar pro lado, porque é assim que as coisas são, não há nada que se possa fazer a respeito, não se tem nada a ver com isso. DE ONDE, diz de onde surgiu esse conformismo todo?? Pra que oceano cruel desaguaram nossaslágrimas de indignação com esse mundo, pra onde foi nossa certeza de que fazer o pouco que estava ao nosso alcance bastava, porque estou dentro desse mecanismo selvagem?? Traz de volta alguma coisa tempo cruel, já que tirastes tanto, dá nos o gosto ideológico de novo, põe nessa nossa língua insossa um pouco mais de tesão pela vida e suas aventuras, para que possamos sorrir de novo o nosso sorriso de heróis sem poderes, e mesmo assim, invencíveis.

4 comentários:

  1. Preciso dizer que choro? Lindo, Van...

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  2. Ounnn, obrigada!! Eu te amo *_*

    ahuhauhuahuah do nada um momento de emoção!!

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  3. O pior é que eu concordo em tudo, TUDO. :/

    (PS: Muito bom o novo design!)

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  4. Valeu Bah, nem sabia que dava pra mudar o design, curti esses quadors na parede mofada!! *_*

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