segunda-feira, 25 de julho de 2011

Bilhete.

Abrira a porta e entrara, sentara. E agora?

- Agora ligue a TV, oras.

Mas não quisera ver nada na T.V, então se deitara.
Sentia-se com aquela vontade de se espreguiçar que parecia nunca ser suficiente, as gengivas do siso estavam inchadas, e a garganta coçava e arranhava, apesar disso alguma coisa demente dentro de si implorava por um cigarro e alguma bebida inebriante.
Desejou sair pela rua sem rumo e o fez, mas a certa altura tomou consciência que nem andar sem rumo sabia, pois sempre se guiava pelo óbvio, olhava os carros pra atravessar, evitava ruas escuras e vazias, quase tomara o caminho de sua antiga casa, talvez pelo costume, pelo cheiro das pessoas que pode ter ficado no ar, ou pela morbidez e um desejo patético de reviver o passado.
Talvez então, se sentasse ali na guia e chorasse ou fixasse o olhar em algum ponto do asfalto quem sabe encontraria o que buscava, mas poderiam achar que enlouquecera, não que se importasse, nunca se importara, mas algum cão vadio poderia vir e mijar nele, não que não fosse digno de uma mijada nas barras da calça, e até seria agradável, algo quente, vivo e molhado como há muito não sentia, pra contrastar com aquele corpo ressecado e ressequido, aquele olhar frio e reto, feito tela plana de uma TV que só passa horário político, aquelas mãos crispadas que corriam ensandecidas pelo bolso que ainda não rasgara da mochila velha, sempre em busca de um cigarro, ou até mesmo uma ponta, que tivera que apagar pela chegada do ônibus, e então ao acender aquele resto parecia que seus olhos brilhavam, no entanto eram lágrimas, inexplicáveis lágrimas de uma última tragada cuja fumaça se iluminaria pela luz fraca e alaranjada do poste.
Algumas moedas e um passe de ônibus, vendeu o passe, e no mesmo bar pediu uma dose de conhaque e um copo de vinho, assim mesmo, sem nenhum requinte, sem entender nada de combinação ou paladares finos, queria era a desgraça da ressaca de sarjeta, a desgraça dos que sentem demais e tentam demais entender o que tanto sentem. Virou a dose de conhaque e fez uma careta, como se segurasse o vômito, sentiu aquele calor em suas entranhas, como se uma mão de lavas lhe acarinhasse as tripas, com sôfregas e violentas lambidas, diabólicas e voluptuosas, então lhe veio à mente.
Soube de repente que quando sentia o lábio dela em seus lábios era aquela mesma sensação, por isso buscara sentir aquilo de forma superficial, como um gole nojento de bebida gelada, mas que lhe ressuscitava a lembrança, a sensação, então lembrou-se palavra por palavra do poema que lhe havia feito quando ainda era humano, quando ainda sabia sentir, e escreveu-o num guardanapo do bar, que grudou no suor do copo de vinho e ali derreteu sozinho, bem como seu autor:

"Eu pareço saber que teus lábios e tua língua irão me queimar, mas busco desse fogo seja inverno, seja verão. De tanto que me queimam e me penetram as células, parecem amortecer, cada milímetro de pele minha, que molhada de minha e sua saliva, evapora, e chove de novo em forma dos teus dedos em meus cabelos. Te amo. "

Bebera mais umas doses, saíra do bar. Chovia, cambaleou um pouco até a praça onde passavam os ônibus, enfiou a mão no bolso, lembrou que vendeu o passe. Tanto faz, iria embora andando.

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