quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Joanne Presunçosa.


Joanne buscava desesperadamente por um cigarro naquela tarde, apenas outra tarde de nostalgia, na qual ela punha tudo junto num vasilhame, as coisas que mais lhe afligiam o nobre coração (nobre e novo, apesar dela já considerá-lo tão gasto e experiente). E lá se iam, ao vasilhame, para serem mexidos até se tornarem uma massa homogênea e com uma viscosidade cremosa, amores perdidos, amores achados, amores platônicos, desamores, dissabores, amizades, distância, saudades, sobriedade, embriaguez, fotos de algum tempo atrás, cujos traços de si mesma ela observava saudosa, e percebia como seu rosto houvera mudado nesses poucos anos que a atropelaram impiedosamente, ao apresentarem seus dias, avidamente. Ela via que o sorriso e os cantos dos olhos já não andavam mais sozinhos, largados esquecidos sobre aquela pele macia, eles agora pareciam viver acompanhados de umas covinhas bobas que surgiam sempre por ali, e também na testa. Joanne sofria muito nesses seus momentos inevitáveis, e chorava bastante, embora algumas vezes a dor, ou sabe-se lá o que (ela nunca soube explicar, nem aos outros nem a si mesma, o que exatamente ela sentia) era tão profunda e desesperadamente irracional, que sequer chorar ela conseguia, e nesses casos, a mistura homogênea de sentimentos e coisas antigas ficava empelotada, pois as lágrimas eram quem dava a liga.
Joanne tinha rituais estabelecidos para esses momentos, duas vezes ela pegou coisas que a feriam, do seu passado, coisas como cartas, fotos, objetos, e os queimou impiedosamente, enquanto bradava silenciosamente: 'Isso já está superado, preciso deixar ir embora'. Ela dizia com uma convicção tola de criança, como que querendo se auto acreditar, esperneava, pelo brinquedo novo, pelo coração novo, a memória nova, sem resquício nenhum daquela outra tão gasta (segundo ela achava). Joanne também gostava muito de ingerir coisas alcoólicas nessas horas, ela bebia mesmo, gut gut, sem dó, sozinha, e depois ficava de um jeito meio besta, sorte que ela sempre estava sozinha, senão iriam rir muito dela, e de como ela ficava. Meio entorpecida, com uns risos frouxos e embasbacados na cara, misturados a soluços de um choro interminável, mas que estava interrompido. Ainda bem que Joanne não usava maquiagens pois a cara dela ficaria ainda pior, e a mistura homogênea ficaria no ponto, só que toda preta, borrada de lápis de olho, "mais preta do que minhas próprias lembranças? Difícil" - diria Joanne, sempre se considerando o ser mais sofrido da face da terra. Ela também gostava de abrir mais as feridas, largar tudo no vivo, como quem revela um segredo que implora para ser sabido. Ela pegava umas músicas dessas bem tristes mesmo e ficava ouvindo, e ela gostava muito de se colocar no lugar das pessoas tristes que viviam dentro dessas músicas, isso deixava a menina com uma dor no peito, tão, tão grande, e mesmo assim ela não achava que tava bom, aí ela ia fuçar nas coisas dela, e achava umas coisas que nossa, só vendo, muito tristes mesmo. Ela segurava na roupa dela e puxava as mangas da camiseta e a gola, puxava forte, até o pano machucar a pele, e fazer aquele estralo de linha se soltando. Aí ela abraçava as próprias pernas, e puxava os cabelos, ela pareceria louca, se a vissem, e provavelmente estava mesmo, esfregava o rosto com força, apoiava um travesseiro na parede e socava, (muito sofrida, mas covarde demais pra socar a parede em si) e tudo o mais mesmo. Certa vez faltou-lhe cigarros, Joanne ficou doidinha, doidinha, ela gostava muito de dizer que não era viciada nem nada do tipo, como se ela precisasse realmente de cigarros para viver. "Mas nessas horas" - ela dizia - "eu preciso muito, muito, muito, pq eu gosto de ver a luzinha brincando perto da minha boca, enquanto eu trago, trago pra mim, aquele calorzinho que sai, e eu gosto de ver o reflexo da luzinha no espelho", nesses momentos ela tinha negócios estranhos, ficava se retorcendo, ela tinha uma coisa que chamava de "estica estica", que era uma coisa, tipo uma agonia, na qual ela tinha que se espreguiçar muito, além dos limites que seus membros conseguiam, e ela ia esticando até ter câimbras, aí ela tinha que fazer massagem na câimbra, que doía muito forte mesmo, e demorava um pouco a passar, e quando passava ela caia de costas na cama, como se houvesse acabado de ter um daqueles negócios que as pessoas tem e caem depois sem fôlego na cama, ou no lugar em que estiverem, "aí, eu já tinha esquecido o cigarro maldito" - ela dizia- . Ela é uma menina que gosta de escrever, mas sempre fica falando que quando ela se sente bem e feliz com a vida dela, não consegue escrever nada legal, e fica saindo umas "rimas pobres", que parecem coisas que ela escrevia na 3ª série, ela usa essas palavras pra descrever, dizia ela que um homem chamado Antônio Maria a tinha descrito certa vez quando escreveu essa frase:

"Toda mulher, após trinta dias de felicidade sente fome e sede de desgraça. Só não irá embora se não tiver condução."

Ela gosta de escrever coisas quando está se sentindo nesses momentos estranhos, que aí sim saem coisas legais segundo ela mesma fica falando sempre : "Não é me gabar, sabe, mas quando eu estou feliz e leio o que eu escrevi quando eu estava triste, ou bêbada ou qualquer uma dessas coisas ou nenhuma delas, só indefinida, eu nem acredito que fui eu quem escreveu, dá até orgulho de mim, já quando eu tô triste, ou bêbada ou qualquer uma dessas coisas ou nenhuma delas, só indefinida, e leio o que eu escrevi feliz, eu também nem acredito que fui eu quem escreveu, fico com vergonha, acho que minha cara até cora de vergonha"

O maior medo de Joanne era de ficar louca de vez, de um dia desses entrar naquele lugar da mistura homogênea sem manchas de lápis preto de olho, e nunca mais conseguir achar o caminho de volta, ou então, até saber o caminho de volta, mas de estar desiludida e quebrada demais para querer voltar. Ela tem medo de querer se deitar lá, num daqueles buracos macios e infinitos, e deixar o corpo dela lá, e a mente também, só ficar lá, e parar de ser, de existir, só um objeto em cima do outro, sem consciência. "Preguiça de viver eu já tenho sempre, não falta muito". Joanne, Joanne, pobre menina, mulher, triste, profunda, sente demais, acha que sofre muito, mais do que todo mundo, presunçosa em sua dor, coloca sempre seus sentimentos tolos e confusos em pedestais inalcançáveis, fora de mão até mesmo pra ela e seus pezinhos erguidos, que tentam em vão agarrar nalgumas daquelas caixas de bobagens misturadas, algo ou alguém que lhe trouxesse sentido a tudo aquilo. Pobre Joanne, cujo coração só começara a sofrer, cuja mente só começara a ter que acumular lembranças tristes de pessoas e horas boas, e lembranças boas de pessoas e lugares tristes. Pobre Joanne, tão jovem, tão presunçosa. Alguém tem um cigarro pra Joanne brincar no espelho com um reflexo vermelho, que não a cara dela de chorar e esfregar tudo aquelas lágrimas nojentas que dão a liga?















Nenhum comentário:

Postar um comentário